Wednesday, September 21, 2016

Novo imposto sobre o património: algumas reflexões

Tem havido imenso alarido acerca do novo imposto sobre o património que a "Geringonça" pretende introduzir, com imensos artigos de opinião e comentários das fontes habituais que pouco se esforçam para clarificar o assunto. Aqui ficam umas reflexões sobre o assunto e sobre algumas ideias que têm sido propagadas pelas redes sociais e imprensa.

"A classe média e os pobres é que pagam mais impostos"

Uma ideia recorrente é a de que a classe média suporta a grande maioria dos impostos. Ao falar em classe média surge logo o primeiro problema: quem é a classe média? É uma questão que está longe de ser consensual, no artigo do Observador Ganho 2 mil euros, sou classe média? E eu que ganho 800? Nem os partidos sabem vários militantes de partidos adiantam diferentes tectos, para o BE o limiar encontra-se nos €2000/mês (€28 000/ano) enquanto que para o CDS é o último escalão de IRS (€80 000/ano). Grandes disparidades, portanto. 

Voltando à distribuição dos impostos, quem contribui mais para o IRS? O Orçamento do Cidadão de 2015 tem uma tabela que ilustra isto.

Receita do IRS por escalões de rendimento (Orçamento do Cidadão 2015)

Por exemplo, os agregados familiares que declaram mais de €80 000/ano, e que representam os 1.1% dos contribuintes que mais declaram, pagam 28.3% de todo o IRS colectado. Se considerarmos "ricos" os agregados que declaram mais de €30 000/ano então nesse caso os "ricos" são 9.1% dos contribuintes e estes pagam 69.9% de todo o IRS colectado. Ou seja, uma minoria dos contribuintes, os mais abastados, pagam a maior parte do IRS. Para vermos como isto é possível basta perceber que alguém que declare €80 000 desconta 37.65% do seu rendimento (juntando os descontos para a Seg. Social dá 49%), enquanto que uma pessoa que declare €10 000 desconta 18.7%.

Rendimento
colectável
IRS %
10,000.0018.7%
30,000.0028.0%
80,000.0037.6%
250,000.0046.4%

Tudo isto está certo, pois vivemos num estado social e por isso quem mais ganha mais contribui.

Os "super-ricos" fogem aos impostos

Um dos argumentos comuns a quem apoia o novo imposto é o de que os super-ricos fogem ao fisco (muitas vezes referindo a declarações de José Azevedo Pereira feitas à SIC Notícias) e que por isso se deve taxar (mais) o património para não escaparem. Este argumento tem uma falácia e é relativamente óbvia: se os super-ricos já fogem ao fisco porque não hão-de fugir a este imposto também? Será relativamente fácil para um super-rico dividir as suas propriedades por offshores, familiares, amigos e animais de estimação por forma a nenhum se qualificar a pagar este imposto. Ou então alugam as suas propriedades a familiares a um preço simbólico (imóveis arrendados estarão isentos do imposto). Tenho a certeza que os super-ricos já telefonaram aos seus contabilistas e lhes disseram para começarem a olhar para o assunto. Assim sobram os meros "ricos normais" que talvez (já) não sejam classe média mas que também não fogem ao fisco, abdicando de metade do seus rendimentos para o Estado, e que agora vêem as poupanças de uma vida ameaçadas.

As 1 000 famílias super-ricas a quem José Azevedo Pereira se refere são casos de evasão fiscal, são casos de fraude, são criminosos e devem ser combatidos pelos meios apropriados, através de melhores leis e de investigações da AT/Polícia que resultem em processos de tribunal. Desde que tenho memória que se fala nos super-ricos a escaparem aos impostos e desde que tenho memória pouco se fez em relação a isso e, mesmo agora, não oiço a "Geringonça" falar em tornar as leis menos permeáveis a fugas nem oiço falar em dotar a AT de mais recursos para fazer o seu trabalho.

Já existe um imposto sobre património de valor elevado

Talvez o aspecto mais irónico do anúncio deste "novo" imposto é que este imposto não é assim tão novo. Como é explicado pelo Público com este imposto o Governo pretende substituir o Imposto de Selo introduzido em 2012 pelo anterior governo, ou seja, na prática estamos a falar de alterar um imposto e não tanto de introduzir algo completamente novo. A diferença-chave é que o imposto de selo só se aplica a imóveis de valor patrimonial superior a 1 milhão de euros enquanto que o Governo pretende agora aplicar o imposto sempre que o património imobiliário global de um indivíduo ultrapasse os 500 mil euros. Hoje em dia alguém que tenha duas propriedades com valor patrimonial de 600 mil euros não paga imposto de selo e no futuro poderá ser diferente. No fundo, o objectivo é aumentar a base de incidência do actual imposto e, até, tornar o imposto mais justo. Se o Governo tivesse falado em "optimizar" o imposto existente em vez de "novo" imposto talvez todo este assunto tivesse gerado menos alarido. Aliás, todo o anúncio deste imposto foi bastante descuidado e até à data ainda não se sabe o seu valor (o actual imposto de selo é 1%).

Este imposto não tem impacto no PIB

Esta é uma meia verdade que tem sido repetida. De facto taxar o património não tem impacto directo no PIB, mas vamos olhar para os argumentos que o Governo usou no seu plano eleitoral. O seu plano era aumentar os rendimentos da função pública e dos mais desfavorecidos para estes consumirem mais e assim aumentar o PIB. Então, por esta ordem de ideias, se retirarmos mais de €5 000/ano (1% de €500 mil euros) aos indivíduos "ricos" estes terão menos dinheiro para consumir diminuindo assim o PIB.

A confusão entre stock e fluxo

O título desta secção vem de um artigo com o mesmo nome que tem uma passagem pertinente:

A riqueza é um stock. O rendimento é um fluxo. O stock consome-se. E no limite, sem fluxos, o stock esgota-se. É esta a diferença conceptual que alguém tem de explicar à estimada deputada [Mariana Mortágua]. Porque é sobre o stock que este imposto poderá incidir e, pior ainda, numa lógica progressiva cuja aplicação poderia fazer sentido teórico sobre fluxos mas não sobre stocks. O novo imposto apanhará na malha os proprietários que têm stocks e fluxos, e também os proprietários que tendo stocks não têm fluxos. Assim, pode muito bem suceder que um proprietário seja forçado a vender uma parte do seu stock para gerar um fluxo (progressivamente maior em função do valor do stock), conduzindo a situações de mal-estar individual e agregado que em nada traduzirão a suposta equidade que a medida alegadamente propõe alcançar.

Poder-se mesmo dizer que a Geringonça está mais focada em tornar os ricos pobres do que em tornar os pobres ricos.

Conclusão

O que me chateia neste imposto, além do anúncio descuidado e atabalhoado, é que vai incidir sobre aqueles já pagam a maior fatia dos impostos em Portugal: a classe média alta / novos ricos. Os "super-ricos" vão continuar a não pagar e está perder-se tempo, energia e dinheiro que poderiam ser dedicados a melhorar leis e reforçar a AT para ir atrás de quem prevarica e deixa sempre a fatura por pagar. Se o governo acredita que o património deve pagar mais, então aumentem o IMI e tornem-no progressivo. Não criem um "novo" imposto que será evitado pelos super-ricos e que obrigará os mesmos do costume a pagar 4x o que já pagam de IMI. Nos últimos anos tivemos os "cérebros" a sair de Portugal por causa da falta de oportunidades, no futuro pode ser que mais saiam, e que os anteriores não voltem, por causa da elevada taxação portuguesa.

Por último, Portugal está falido e tanto o Estado como as empresas estão altamente endividadas, precisamos de investimento estrangeiro para sair desta situação precária. E como disse a presidente do Conselho de Finanças Públicas: mudar impostos a cada 6 meses “tira confiança aos investidores”. Vamos antes focar-nos em estabilizar e afinar a máquina fiscal, melhorar a Justiça portuguesa que o PIB e as receitas fiscais aumentarão.

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