Monday, September 09, 2013

O Meu Programa de Governo [José Gomes Ferreira]

Durante a minha estada em Portugal encontrei um livro no balcão dos CTT que não resisti comprar, trata-se de O Meu Programa de Governo de José Gomes Ferreira.

O facto do autor ser, talvez, o jornalista económico mais interessante de escutar na televisão portuguesa e o facto de apresentar no livro as suas próprias propostas de governação tornam logo o livro muito atractivo. Aliás, o livro vai bem mais longe do que isso, é um livro extenso que cobre imenso terreno em imensas categorias, dando a cada uma profundidade, em alguns casos um contexto histórico, e termina geralmente com a sua proposta para corrigir o que está errado. Em cada capítulo não faltam referências a outros artigos e documentos (na minha opinião até podiam haver mais), e fica patente um excelente trabalho de investigação que não se vê nos artigos de jornais diários. Todos os portugueses deveriam ler este livro para tomar conhecimento do quão profundos são os problemas portugueses, mas também como para todos eles há soluções. Em baixo ficam os meus destaques dos pontos que achei mais interessantes, por variadas razões, e a minha própria opinião sobres eles. Estas notas não são um resumo e resultam da minha própria interpretação do livro. Para melhor compreender estes pontos, recomendo a leitura do livro.


Acabar com as Dívidas do Estado "fora do balanço"


Neste capítulo, talvez o o mais crítico ao governo de José Sócrates, JGF explica como os governos portugueses usaram as PPP para contrair dívidas "fora do balanço", atirando-as para o futuro e escondidas da opinião pública e dos nossos parceiras da UE. Na pág. 88 inclui um gráfico semelhante ao de baixo (começando em 2011 em vez de 2012) e faz uma observação muito significativa: o grosso dos encargos das PPP tem impacto no Orçamento de Estado apenas a partir de 2014 porque haveria eleições legislativas em 2013 (devido aos ciclos eleitorais 2005-2009; 2009-2013). Ou seja, o endividamento público, juntamente com a sua camuflagem, seguiu a agenda política do governo socialista.
http://www.dgtf.pt/ResourcesUser/PPP/Documentos/Relatorios/2012/Relatorio_Anual_PPP_2012.pdf
Mais à frente refere outro dado importante, entre 2010 e 2012 a dívida pública aumentou 30%, mais que durante 2005-2010. Tal não se deveu às acções do novo governo mas sim porque Portugal foi obrigado pela Troika a incluir as dívidas das PPP na dívida pública e, também, porque o PIB desceu. Sócrates, culpa o novo governo por este aumento quando na realidade ele é o responsável por tal!


Expropriar Parcerias e Nacionalizar o Défice Tarifário


Na pág. 106 JGF sugere duas coisas pouco pacíficas:
  1. A nacionalização / expropriação dos contratos das PPP que envolvem as ex-SCUT e as sub-concessões mais onerosas dos Estado;
  2. A nacionalização / Expropriação do défice tarifário da electricidade que já vai em 3800 milhões de euros.
Em relação à primeira, após pagar e compensar as actuais concessionárias esta medida agravaria a dívida pública em 2% do PIB mas poupar-nos-ia 400 milhões de euros por ano - vale bem o esforço.

Eu nem sabia muito bem o que era o défice tarifário de electricidade até chegar a este capítulo. O défice tarifário existe porque as empresas que produzem e distribuem electricidade dizem que são obrigadas a vender energia a um preço mais baixo se reflectisse todos os custos que têm. Ora estas empresas registam todas grandes lucros, no caso da EDP foi acima de mil milhões de euros! Estas empresas, altamente protegidas por operarem em mercado protegido, que produzem bens não transaccionáveis, geram elevados lucros e nós ainda as temos de indemnizar!


Convidar Funcionários Públicos a Ficar em Casa


Neste capítulo JGF começa por reconhecer e elogiar o trabalho dos funcionários públicos. Quando chega à pág. 143 sugere como solução intermediária para o problema do número excessivo de funcionários na Administração Pública enviar para casa aqueles cujas funções sejam consideradas redundantes, mantendo o seu salário-base. Poderiam até acumular um emprego no sector privado e ao fim de dois ou três anos, se se verificasse situação de emprego estável no sector privado rescindiriam o contrato com o Estado. Esta sugestão, apesar de bem intencionada, parece-me ser difícil de aceitar por parte da opinião pública. Neste campo os quadros de mobilidade parecem-me um tanto melhores.


Sim, Ainda é Possível Cortar Despesas Sociais


Este foi um do meus capítulos favoritos onde o autor desmistifica a falência da Seg. Social analisando em detalhe os regimes que a compõem e a contribuição de cada um para o balanço da mesma. Em geral a comunicação social e os políticos pintam o Sistema de Segurança Social como falido, mas este capítulo revela que não é bem assim. Primeiro é importante compreender que a Segurança Social se divide em vários regimes e sub-sistemas como demonstrado na tabela em baixo, baseada num organograma apresentado na pág. 146.


O Regime Providencial Contributivo que recebe as receitas dos trabalhadores privados (e públicos que entraram depois de 2006) e dos patrões (através da TSU) não só é sustentável como dá lucro! O sub-sistema de capitalização é a reserva deste regime, tem sob gestão cerca de 10 mil milhões de euros que daria para pagar as pensões durante 9 meses caso não houvessem mais contribuições para o sistema. Além disso estas reservas são geridas pelo IGFCSS que faz aplicações nos mercados financeiros aumentando os lucros originais.
O Regime não contributivo, de protecção social e de cidadania não tem receitas próprias, é financiado pelo Orçamento de Estado e pelas receitas da SCML. Mas as contas deste regime são apresentadas nos Orçamentos do Estado juntamente com o Regime Providencial alimentando a percepção que todo o Sistema de Social do Sector Privado é altamente deficitário!

Depois há a questão do Regime de Protecção do Sector Público, altamente deficitário e que leva o FMI a considerar que a Segurança Social não é sustentável.


Reduzir o Défice da Caixa Geral de Aposentações


Recentemente foi noticiada a intenção do governo de fazer cortes nas pensões da CGA e razão para isso é simples, o CGA não é sustentável no seu actual formato. O peso da CGA no OE de 2013 representa 3 906 milhões de euros. Ou seja, os contribuintes que trabalham para o sector privado, os mesmos que já pagam 11% sobre o seu salário (acrescidos 23,73% sobre esse salário, pago pelo patrão) têm de pagar cada vez mais IRS para ajudar o estado a pagar pensões da maior parte dos funcionários públicos e políticos. A agravar este desequilíbrio está o facto que a pensão média da CGA é 1146€/mês enquanto a  pensão média do Regime Geral da Seg. Social é 394€/mês. Outro dado a reter é que as pensões da CGA representam 15% do total dos reformados portugueses mas recebem 35% do total das pensões pagas em Portugal! Um relatório do FMI demonstra ainda que as diferenças entre os valores dos salários médios declarados e as pensões pagas são maiores no sector privado. Dito por outras palavras, a CGA atribui um prémio de 15% aos seus pensionistas em relação aos pensionistas do regime geral de Seg. Social. Este prémio é ainda mais expressivo se considerarmos que os funcionários públicos trabalham menos horas e, em vários casos, como os militares, diplomatas, juízes e oficiais de justiça, a fórmula de cálculo da pensão considera cada ano como mais do que um ano efectivo para efeitos de atribuição de pensão. Nas palavras do autor, no que toca ao pagamento de pensões, "o Estado português tem filhos e enteados".

Saltando para pág. 162, o relatório do FMI sugere:
  1. O corte de 10% em todas as pensões (o que seria injusto para as pensões do sector privado). Uma variante deste critério é o corte de 15% das pensões da CGA acima do valor mínimo. Só isto representaria poupanças na ordem de 1,5 mil milhões de euros.
  2. Os pagamentos do 13º e 14º mês seriam convertidos para um bónus que só seriam atribuídos se o PIB crescesse o suficiente  (com excepções para as pensões mais baixas)
  3. Cortar os benefícios dos futuros pensionistas, aumentando a idade da reforma para 66 anos e cortando todas as as hipóteses de pré-reformas, excepto por incapacidade, ou só após 40 anos de descontos efectivos.
  4. Uma medida mais "radical" seria cortar os pagamentos das pensões já existentes. Por exemplo, aplicando o factor de sustentabilidade que está em vigor desde 2007 a todas as pensões considerando também o aumento da esperança de vida entre 2000 e 2007, o que permitiria poupar 800 milhões de euros.
  5. Por último, o FMI propõe a imposição de um tecto de pagamento real de pensões, por exemplo até 12 vezes o Indexante de Apoios Sociais, o que poderia gerar poupanças anuais de 200 milhões de euros.


Impedir o Plafonamento e a Privatização da Segurança Social


Aqui o autor relembra-nos que o Regime Previdencial, contributivo, "está bem e recomenda-se" e não devemos nunca ser levados pela tentação proposta por políticos da direita de fazer o chamado plafonamento, ou seja, impor um tecto de descontos nos salários mais elevados, impedindo os trabalhadores de descontar sobre todo o seu salário para o Regime Previdencial gerido pelo Estado e sendo convidados a entregar uma parte dos descontos para regimes privados de capitalização. Na pág. 166 JGF explica em maior detalhe as medidas que os ministros da Segurança Social, Paulo Pedroso (2000) e José Vieira da Silva (2006) tomaram para tornar este regime equilibrável e para o tornar pouco vulnerável a abusos. Por definição este regime nunca irá à falência, se tiver menos receitas pagará menos pensões no futuro.
Mais adiante o autor previne-nos contra a privatização da Segurança Social e prova a sua opinião com números. O sub-sistema de capitalização da Segurança Social tem obtido uma rendibilidade dos seus investimentos de 4% nos anos bons e 2% nos anos maus, ou seja, quase sempre 2% acima dos gestores privados dos PPR!
Voltando ao relatório do FMI, este sugere a imposição de um tecto ou limite máximo do recebimento de subsídios, por famílias,  ou por indivíduos. A ideia é acabar com os esquemas que certas pessoas e famílias usam para caçar subsídios de forma legal ou na fronteira da lei.


Definir o Estado que Podemos Pagar


Neste capítulo JGF enumera as coisas que quer do Estado, desde a Defesa, passando pela Ciência até à Cultura. No final (pág. 188) diz: "O saldo primário do Estado deve ser sempre positivo: deve gastar menos do que recebe. Para NUNCA MAIS fazer nova dívida. E entretanto, gastar o excedente a pagar o stock da dívida acumulada irresponsavelmente durante décadas". Ora, se isto faz sentido nas nossas economias pessoais como é possível não seguirmos esta filosofia nas economias do nosso país? Aqui estou de acordo com JGF, mas estou disposto a abrir uma excepção. Eu não me importo que o nosso país contraia nova dívida para projectos estratégicos desde que a viabilidade económica desses projectos seja provada por uma entidade imparcial e por uma maioria qualificada do Parlamento, por exemplo, 3/4. Em relação a isto sugiro também a leitura de Constitucionalizar a Proibição do Défice ou a Obrigação de Estudar os Investimentos Públicos? que sugere um modelo bastante razoável para prevenir investimentos ruinosos como algumas das auto-estradas paralelas que temos.


Reduzir o Planeamento Fiscal ou Fuga Legal Aos Impostos


Aqui o autor cita uns números interessantes de um estudo do economista Eugénio Rosa (ligado ao PCP e à CGTP). Em 2010 os lucros contabilísticos da empresas portuguesas atingiram 49 855 milhões de euros, mas o lucro sujeito a imposto foi de apenas 15 150 milhões de euros, 30,4% do total! Assim a taxa efectiva de IRC foi de apenas 8,6% quando a taxa nominal é de 25%. Por exemplo, a Galp Energia teve lucros de 250 milhões de euros em 2012 mas obteve uma isenção fiscal sobre 160 milhões de euros do seu lucro! No OE para 2013 refere que apenas 33% das empresas pagam IRC. Duas em cada três empresas não paga nada. Neste campo acordaram-se algumas coisas no Memorando de Entendimento com a Troika sobre as quais ainda não se viu nenhum progresso.


Acabar com as importação Porta a Porta


Com a introdução do Mercado Único as compras de mercadorias de países de dentro da União Europeia escapam facilmente ao Fisco, nomeadamente à entrada dos produtos no circuito do IVA. Fernando Carmo, o presidente da Câmara do dos Despachantes Oficiais, chegou a quantificar a fuga anual em milhares de milhões de euros de mercadorias que entravam no circuito económico sem pagar IVA. Qual a solução proposta? Acabar com as importações porta-a-porta e obrigar os operadores a passar todas as mercadorias vinda da UE pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Os acordos estabelecidos com a União Europeia obrigam que não se cobrem direitos alfandegários pele circulação de bens mas não diz nada acerca de controlos para efeitos do Fisco.


Baixar taxas de IRS


JGF sugere que progressivamente, à medida que a economia melhore, as taxas de IRS desçam com escalões de 10% para o mais pobres e 30% para os mais ricos com intervalos de 5% entre escalões. Na minha opinião é um tanto optimista, mas não seria mal se um dia chegássemos a um ponto em que fosse possível tributar tão pouco.
Chegados à pág. 211 o autor faz a proposta que para mim é talvez a mais utópica, mas talvez mereça ser experimentada. Ele sugere que todas as pessoas, mesmo as que recebem o salário mínimo devem pagar alguma quantia de IRS e apresentar uma declaração de rendimentos, mesmo que seja um imposto fixo anual de 5€. O objectivo não é garantir a receita mas é uma "medida simbólica, de responsabilização, de consciencialização para a participação no esforço colectivo de todos os cidadãos portugueses.". Segundo ele seria uma boa forma de acabar com aquela conversa de café em que os intervenientes dizem: "Eu cá, para os gajos não dou nem um cêntimo. Fujo aos impostos em tudo o que puder.". De facto é importante ter mais pessoas a participar activamente na Democracia e se esta medida ajuda, vale a pena!


Baixar o IRC e Aplicar Colectas Mínimas aos Pequenos Negócios


Na pág. 218 o autor vai buscar uma ideia de 1998/1999, proposta por Sousa Franco, a implementação de uma Colecta Mínima para sectores tradicionais de actividade económica de reduzida ou pequena dimensão. A ideia é cobrar em base fixa, anual ou trimestral, um espécie de imposto para o agente económico estar na actividade, podendo a partir daí fazer o lucro que quisesse e agindo com liberdade, desde que não ultrapasse um devido limite. Há muitos países europeus com sistemas semelhantes que provaram que isto funciona. Tal sistema permitira numa casa de família com uma pequena produção se poderia vender a produção nos mercados municipais ou a restaurantes.


Pôr os bancos a emprestar às empresas


Em Portugal precisamos de um Banco de Fomento. A ideia é o banco emprestar, não dar a fundo perdido (ao contrário do que tem sido tradição dos fundos comunitários) para emprestar às empresas portuguesas a uma taxa de juro aceitável. Em especial empresas que exportem e que sejam viáveis. Esta ideia não é novidade, é assim que funciona o KFW, o banco alemão de fomento que foi constituído com dinheiros do Plano Marshall após a 2ª Guerra Mundial. Também o blog "O Economista Português" aponta em direcção semelhante neste artigo. Curiosamente, o governo já fala desta ideia há alguma tempo e nunca saiu do papel...


Reorientar a Estratégia dos Grupos Económicos


Neste capítulo está uma descrição do tecido empresarial que acho digna de transcrever. "O tecido empresarial português é caracterizado de seguinte forma:
  1. Uma dúzia de grandes corporações actuando em mercados livremente concorrenciais, que atribui dividendos regulares generosos aos seus accionistas [a EDP endividou-se em 2012 para poder pagar dividendos no valor de 700M de euros] e que castiga os seus clientes com preços mais altos do que deviam vigorar nestes mercados, apoiada por uma banca que ao ajudar sistematicamente estas empresas em detrimento de todas as outras, se refugia em clientes que considera seguros...
  2. Uma esmagadora maioria de empresas descapitalizadas, com accionistas sem força financeira, que sempre que podem também caem na tentação de retirar algum rendimento dessas empresas - como fazem as grandes - para se remunerar, e por vezes para pôr o dinheiro no exterior do país (...)


Deixar de Favorecer os "Campeões Nacionais"


Os "campeões nacionais" são um tema recorrente no livro e neste capítulo o autor aborda-o em maior detalhe. Desde os anos 90 que se tomou a opção política de apoiar a formação de pouco mais de meia dúzia de grande empresas, grupos económicos protegidos pelo estado que cresceram à sombra de decisões políticas pouco sólidas. Estes campeões nacionais contrariam a tendência de baixa de preço e serviços que decorreria da sã e livre concorrência no mercado interno e cobram-nos sempre os preços mais elevados, preços exagerados para o nível que o país pode pagar.
Neste capítulo ele enumera-os:
  • Mota-Engil que beneficia de uma economia de rendas certas e garantidas pelas concessões de transportes. 
  • Brisa, que durante décadas, por cada euro pago em portagem de auto-estrada, metade era de resultado operacional positivo. Supostamente opera em concorrência, mas detém a Auto-Estradas do Atlântico (A8).
  • Grupo Mello que recentemente adquiriu a maior parte do capital da Brisa que ainda não detinha e que após todos os lucros que o Estado lhe deu quer ser indemnizado por prejuízos alegadamente decorrentes da introdução de portagens nas SCUT! E não estamos a falar de trocos, mas sim de mil milhões de euros.
  • Galp Energia que é o único refinador nacional o que lhe permite cobrar média 3 a 4 cêntimos a mais do que a média europeia por litro de gasolina s/ chumbo 95 e gasóleo.
  • Grupo Águas de Portugal que está fortemente endividado e do qual 7 sub-sistemas que o formam estão tecnicamente falidos.
  • REFER, que acumula uma dívida de 6 mil milhões de euros e que já deu a ganhar imenso dinheiro em estudos e projectos.
  • A TAP, cujo balanço não parece muito mal porque atirou imensas contas para fora do balanço, nomeadamente o leasing operacional de 19 aviões. Se incluísse este leasing no seu balanço o seu passivo financeiro de médio e longo prazo seria de 1,5 mil milhões de euros. Isto explica porque o único candidato à privatização da TAP apenas ofereceu 35 milhões de euros.
Todos estes "campeões nacionais" estão fortemente endividados apesar de beneficiar de condições de monopólio / oligopólio nos mercados que participam, apesar de nos cobrarem altíssimos preços (acima da média europeia) pelos seus serviços. Esta capítulo vai bem mais fundo do que eu fui aqui, explicando em detalhe as coisas que eu resumi, cobrindo mais empresas e incluindo as excepções.


Garantir a Concorrência Efectiva Entre Agentes Económicos


Este capítulo é muito relevante pois compara o Liberalismo na sua essência com o tipo de liberalismo que temos tido em Portugal. Ora, num modelo de Liberalismo há uma crença no Mercado e a desconfiança em relação ao Estado, deseja-se a redução do Estado e que deixe os privados trabalhar e ganhar dinheiro. Esta é a filosofia da maior parte dos gestores das empresas nacionais e é o que apregoam publicamente, mas na prática estes gestores fazem o contrário. Penduram-se a todo o momento no Estado, fazem depender a sua facturação dos gastos públicos ou da protecção de mercados aparentemente liberalizados enquanto o cidadão português paga a conta.
Chegados à pág. 315 ele toca num assunto que eu gosto particularmente que se refere aos custos e dependência elevada que a Administração Pública coloca em software proprietário (exemplo meu: Sistemas Operativos Microsoft). O autor refere o excelente exemplo do Brasil que já alguns anos que exige que todos os sistemas instalados sejam abertos. Não só isso contribuiu para a poupança de valores substanciais nas despesas do estado brasileiro como causou o desenvolvimento interno de alguns desses sistemas abertos. Ora porquê que a Administração Pública não usa a Caixa Mágica (linux) em vez de Windows? Já se estão a dar alguns passos em termos de homogeneizar os formatos digitais usados, mas penso que ainda se pode fazer muito mais!


Acabar com a "Central de Negócios" no Parlamento


Aqui JGF propõe umas medidas interessantes para acabar com a permeabilidade do governo e deputados aos lobbies. Sugere um rigoroso estatuto de incompatibilidades para todos os membros do Governo e todos os deputados. Estes "deverão cortar definitivamente todas as ligações com os escritórios de advogados onde tenham trabalhado e devem ficar proibidos de voltar a exercer funções nesses ou noutros escritórios de advogados, por um período razoável de tempo após o exercício de funções públicas". Parece-me razoável.
Ele ainda vai mais longe, para reduzir a tentação do Governo ou deputados de irem buscar receitas por fora, sugere que sejam aumentados para o dobro. Para financiar esta nova despesa poder-se-ia reduzir o número de assessores e deputados para metade. Ou seja, um Governo e Parlamento mais pequenos, melhor remunerados, mais valorizados e mais responsabilizáveis. Tanto membros do governo, tal como deputados, devem estar sujeitos a ser investigados à mínima suspeita de comportamentos menos lícitos. Independentemente do valor salários, não penso fazer sentido um Parlamento tão grande num país tão pequeno como o nosso.


Baixar os Preços da Electricidade


Este capítulo começa por dar uma perspectiva histórica do mercado da electricidade em Portugal. Quando chega ao presente, compara as estratégias adoptadas pelos países Ibéricos com as estratégias adoptadas pelos países escandinavos para incorporar a produção de energias renováveis nos seus sistemas electroprodutores. Os país escandinavos procuraram incentivar pequenos produtores, em comunidades locais a produzir para si, enquanto os países ibéricos (entre 2005 e 2011) partiram para grandes investimentos, favorecendo os grandes como a EDP, a Iberdrola e a Endesa, que produziam para a rede. Estas grandes empresas que já produziam electricidade em regime ordinário passaram a produzir em regime especial (PRE) com venda garantida a preços elevados. Quão elevados? Elevados o suficiente para EDP Renováveis ter uma rendibilidade de 46% sobre os capitais próprios! Por comparação, a EDPR nos EUA tem uma rendibilidade de 0.6% e em Espanha 2.9%. Como se isto não fosse suficiente, nós somos também obrigados pagar os custos de garantia de potência, manutenção de equilíbrio contratual e aquisição obrigatória de energia aos produtores de electricidade do chamado regime ordinário. "Isto é, as mesmas EDP, Iberdrola, Endesa e outras operadoras, que estão a ser altamente subsidiadas no regime especial, enquanto os moinhos gigantes das eólicas ou os painéis de células fotovoltaicas estão a produzir e a injectar electricidade na rede, exigiram ser pagas pela inactividade das suas centrais de carvão ou gás natural.". Belo arranjinho. Este mercado, supostamente concorrencial, está tão enviesado que os produtores e comercializadores de electricidade até tem direito, por lei, a aumentar os preços caso o consumo baixe. Daí surge o défice tarifário.
Para terminar, a REN tem, por lei, uma rendibilidade garantida de 8.5% em todos os investimentos que faça, sejam benéficos para o país ou não! Ora, a ideia geral de privatizar uma empresa ou contratar privados, é garantir um serviço a um preço fixo e deixar os riscos do negócio para eles. O nosso governo na sua curiosa interpretação de liberalismo assume os riscos e garante os lucros aos privados. Como nota, a própria Troika mandou-nos cortar as rendas excessivas do sector, tarefa que se revela quase impossível por causa dos compromissos assumidos com os investidores estrangeiros.


Baixar os Preços dos Combustíveis Líquidos


Chegados à pág. 367, é-nos apresentado um gráfico mostrando a diferença entre os os preços dos combustíveis em Portugal e os preços médios na União Europeia, sem impostos, desde 2003. O gráfico revela que a partir de Outubro de 2005 há um diferencial enorme entre os preços a favor das operadoras nacionais. Conclusão, a liberalização dos preços dos combustíveis levou ao aumento dos mesmos. O autor sugere que os preços voltem a ser fixados administrativamente, usando o argumento que em pequenas economias, como a nossa, os mercados da energia facilmente se transformam em oligopólios. Mais à frente, na pág. 382, sugere fixar administrativamente todos os preços da energia pelo mesmo motivo. Estou totalmente de acordo, o tempo já deu provas suficientes que não existe real concorrência entre as gasolineiras nem noutros sectores da energia.


Acabar com a Burocracia que Esmaga a Actividade Económica


Um dos problemas que Portugal tem é a dificuldade em se começar um novo negócio, facto evidenciado nos rankings do doingbusiness.com - estamos na 30ª posição e segundo a notícia do Público: Portugal desce dois lugares no ranking da competitividade, não estamos a melhorar. Tipicamente para se começar um negócio são necessárias várias licenças que, consoante o negócio, dependem de Câmaras municipais, direcções regionais de ordenamento, de ambiente, comissões de coordenação e departamentos de Ministérios. Para se obterem estas aprovações é preciso esperar meses, às vezes anos, cujo processo de atribuição se mantém extremamente burocratizado. Durante esse período, muita coisa pode acontecer e o negócio já nem ser viável. A sugestão de JGF é um modelo verdadeiro de Licenciamento Zero, que siga o princípio americano, o empresário pode começar a sua actividade quando quiser desde que se comprometa a seguir os regulamentos em vigor. Já houve passos nesse sentido pelo actual governo mas não foram eliminados os requisitos da entidades acima mencionadas. Mais à frente na pág. 405 fala de como este modelo de licenciamento exacerbado é especialmente prejudicial à formação das PMEs. Para terminar, em baixo está um gráfico do Global Competitiveness Report 2013-2014 que classifica regulamentações e burocracia como os 3 maiores problemas para se fazer negócios em Portugal. Mais sobre isto no artigo IRC: a burocracia custa o dobro da taxa, dizem empresários.



Alterar o Modelo que está na Base da ADSE


Chegados à página 438, JGF revela dados interessantes sobre a ADSE, citando um artigo da Visão diz que no caso geral os beneficiários da ADSE são incentivados a usar os serviços privados de saúde, beneficiando de taxas moderadoras mais baratas que recorrendo ao público. Citando o autor "Porque é que a ADSE, um sistema garantido e pago pelos contribuintes portugueses e apenas parcialmente quotizado pelos seus beneficiários, os incentiva através de preços das comparticipações a procurar o sector privado em detrimentos do SNS?" No total a ADSE contribui anualmente com cerca de 600 milhões de euros para a facturação do sector privado, uma grande parte do total da sua facturação. Ou seja, não é só nas auto-estradas e no sector de energia que os privados encontram rendas garantidas pagas com o dinheiro dos contribuintes.


Conclusão


A minha maior crítica, devido talvez à minha formação mais técnica, é que a estrutura de capítulos podia ser menos plana e ter sub-capítulos agrupados em capítulos. Isso facilitaria a sua consulta. Dito isto, a forma como o livro está escrito torna-o muito fácil de ler.

Para terminar, acho este um excelente trabalho de José Gomes Ferreira, em muitos pontos corajoso (por colocar o dedo na ferida dos grandes grupos financeiros), e espero que a mensagem contida no livro chegue a muitos portugueses.

Nota: a paginação acima referida tem como base a 3a edição do livro.